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Alexandre Guerreiro 11/04/2020 - Rui Pinto não é uma extensão de incuráveis rivalidades do futebol


Num país política e socialmente dominado pelo futebol, é sem surpresa que todos assistimos à instrumentalização do caso Rui Pinto como arma de arremesso entre adeptos de clubes rivais e como fonte de legitimidade para reforçar a radicalização provocada pelo futebol. Com base na minha percepção, por regra, adeptos do FC Porto defendem incondicionalmente Rui Pinto com unhas e dentes e adeptos do SL Benfica vêem neste um criminoso tão ou mais odiado que os maiores abusadores sexuais e homicidas da história de Portugal. Adeptos de outros clubes dividem-se de igual forma, mas entre os que têm uma visão romântica e heróica dos actos imputados a Rui Pinto, bem como aqueles que também vêem no SL Benfica e na sua estrutura uma motivação, em oposição aos que não se revêem em tais acções. Em consequência disto, torna-se irracional qualquer tentativa de discutir, com terceiros, a natureza e a legalidade dos actos pelos quais Rui Pinto responde. A conversa acaba a desaguar no mesmo mar de demagogia: a conversa entra sempre no domínio pessoal e, se condenar as acções de Rui Pinto, é por ser benfiquista ou por ter interesse em proteger criminosos; se for a favor, é por ser mau benfiquista ou por ser de outro clube. Tornar Rui Pinto uma extensão de guerras inspiradas pelo mundo do futebol é um erro gravíssimo que afasta a sociedade do que é essencial. Se, como dizia Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”, neste caso, o essencial torna-se invisível porque todos, de alguma maneira, contribuímos para isso. Rui Pinto não pode resumir-se ao futebol e a rivalidades primárias. Em primeiro lugar, porque com base no que já se sabe a acção de Rui Pinto extravasa o universo “Football Leaks”. Em segundo lugar, porque, mesmo que fizesse sentido olhar para Rui Pinto como arma contra o Benfica, até ao momento, não foi acusado de qualquer acto de pirataria informática contra os servidores do Benfica. Finalmente, porque muitos outros clubes estão também envolvidos na alegada actividade de Rui Pinto. Todavia, mesmo que nos consigamos desprender das motivações futebolísticas, Rui Pinto continua a entrincheirar os portugueses. De um lado, os que defendem a utilização total e incondicional dos documentos recolhidos; do outro lado, os que sustentam que só a forma de obtenção dos documentos é suficiente para inviabilizar a sua utilização e até a recolha por outros meios. E nas duas linhas encontramos adeptos para todos os gostos: na primeira, por exemplo, Miguel Poiares Maduro com uma interpretação por vezes enviesada da realidade noutros países europeus; na segunda, o actual Bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, que tem defendido a teoria dos frutos da árvore envenenada. Não querendo abraçar a corrente de Anthony Giddens, sempre fui e continuo a ser por uma terceira via: os documentos recolhidos por Rui Pinto têm de ser nulos, por terem sido obtidos de forma ilícita, mas se há notícia de actos que possam configurar crime, mesmo que obtidos ilicitamente, o Ministério Público tem a obrigação de promover diligências com o objectivo de obter a prova de tais notícias por via legal. Para quem ousar acusar-me de “contorcionismo”, como é habitual sempre que digo algo que não agrade ao destinatário, pode conferir a posição que já defendi publicamente na TVI24 e, em Novembro de 2019, no Twitter. Rui Pinto cometeu, segundo a acusação, actos de extrema gravidade. Lamento informar os conspiracionistas que não é o único com medida de coacção privativa da liberdade por crime de extorsão qualificada. Há um acórdão de 2019 sobre um caso semelhante. Se este crime for consumado, a pena máxima são 15 anos. Se for na forma tentada, são 10 anos. Apenas e só por isto Rui Pinto está privado da liberdade. Nenhum dos crimes informáticos a ele imputados admite prisão preventiva. E é nisto que nos devemos focar de uma vez por todas: segundo a acusação do Ministério Público, Rui Pinto tentou obter dividendos da sua dedicação à pirataria, só não foi bem sucedido porque o destinatário resistiu e porque a Polícia Judiciária rapidamente seguiu no seu encalço, razão pela qual alapou-se ao produto do seu crime com o objectivo de o usar como escudo em sua defesa.



Alexandre Guerreiro

11/04/2020


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