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Luís Teves 15/04/2021 - A INCONVENIENTE PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA



Cresci num lugar e numa altura em que ser advogado era sinônimo de intelectualidade, sapiência, elevação, integridade, honradez e excelência. Era, então, esta uma das actividades de maior prestígio na sociedade, e que conferia aos seus membros elevado grau de respeitabilidade, distinção, admiração e deferência. Nunca conheci um pai que não tivesse o sonho de ter um filho médico ou advogado precisamente pela consideração e respeito que isto lhes outorgava.


Passadas algumas décadas, verifico que, com o tempo, muitas coisas mudaram e hoje em dia ser advogado já não se traduz necessariamente em decência, nobreza, competência e seriedade. A nossa sociedade está infestada de advogados (e não só) que não passam de canalhas e trafulhas que se infiltram como o caruncho em todas as actividades que lhes possam rechear os bolsos. Felizmente não são todos, mas são muitos os advogados que se movimentam na política, na comunicação social, nas empresas e até nos clubes desportivos numa autêntica caca ao euro.


Este fenômeno é bem evidente no Sporting Clube de Portugal, cujos Órgãos Sociais estão abarrotados de juristas. Em princípio, este facto, só por si, não mereceria qualquer objeção se todos os envolvidos soubessem respeitar o código e o dever deontológico da sua profissão, mas, lamentavelmente, este não é sempre o caso. Rafael Jose Ferreira Mendes na sua Dissertação de Mestrado em Direito escreve:


“A Deontologia é o conjunto das regras ético-jurídicas pelas quais o advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico, inculcando a ideia de essencialidade das normas deontológicas na formação do advogado e na dignificação da classe. O prestígio da Ordem é alicerçado no prestígio dos seus membros. E a falta cometida por um atinge-os a todos. A exigência de conduta privada irrepreensível radica, assim, na própria natureza da advocacia. Se o advogado exerce uma função de interesse público, não pode ser respeitado e impor-se quando a sua vida pessoal merece censura ética, não se consubstanciando na sua pessoa um pólo de autoridade moral”.

 

Conclui-se por estas palavras que é essencial que o advogado mantenha uma conduta pessoal e profissional inatacável sob o risco de desbaratar toda a autoridade inquestionável que emana de pessoas dignas, honradas, honestas e justas, e que é primordial no desempenho das sua funções com competência e integridade.


Apesar de ser leigo em matéria do foro judicial, considero que há muito o Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting esbanjou por completo toda essa autoridade moral para exercer o cargo precisamente porque a sua conduta profissional tem ficado muito abaixo da fasquia do "irrepreensível" apesar de ter sido, em tempos, Bastonário da Ordem dos Advogados, o que lhe confere responsabilidades acrescidas. Rogério Alves não cumpre os estatutos do clube, faz interpretações legais que não são da sua competência, toma decisões em causa própria, restringe os direitos dos sócios e permite votações com boletins codificados. Em paralelo, Rogério Alves parece não ter ainda entendido o conceito de conflito de interesses uma vez que não consegue abdicar de se envolver em processos litigiosos entre funcionários do Sporting e um clube rival ou de fazer a representação legal de um dos maiores acionistas do clube onde ele exerce as funções de PMAG. Mas se alguém pensar que este é o único advogado nos Órgãos Sociais do Sporting que descarta sem cerimônia os seus deveres à luz do Código Deontológico, está totalmente enganado.


O Secretário da Mesa da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal, Pedro Almeida Cabral também é advogado. É partner na recentemente fundada empresa de advocacia Enes Cabral e já desempenhou funções em várias outras empresas de advocacia. Uma breve consulta na sua página de LinkedIn, revela que este jurista tem vários anos de experiência como advogado e consultor jurídico. Foi colunista no Expresso e agora no jornal Sporting e fez uma pós-graduação no Kings College of London. Por isso é muito difícil entender como este senhor nunca tenha ouvido falar de um dos mais relevantes institutos de defesa da posição de qualquer arguido em processo penal – o Princípio da Presunção de Inocência. Este princípio fundamental garante que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. 



Em 16 de Maio de 2018 o advogado Pedro Almeida Cabral, numa alusão aos casos Cashball e Invasão de Alcochete, e sobre um então alegado envolvimento do presidente do Sporting, Dr. Bruno de Carvalho, em ambos estes episódios, escreveu o seguinte na sua conta de Twitter:


“BdC não pode só sair. Tem que ser preso pelo que mandou fazer ontem e pela corrupção desportiva generalizada. A seguir vão outros. Um país saudável, diz-se.”


Com umas breves pancadas no teclado Pedro Almeida Cabral, um veterano mas obviamente lascivo advogado, transformou o “inocente até prova em contrário" num “culpado ainda que não exista prova”, desrespeitando de forma desprezível os direitos de um cidadão e desconsiderando intencionalmente as liberdades e garantias fundamentais de um sistema jurídico que ele tem a obrigação de defender. Não sei quantos artigos do Código Deontológico foram violados com esta sua atitude, mas parece-me evidente que lhe terá garantido, como recompensa, um lugarzinho na Mesa da Assembleia Geral do Sporting.


O que é certo é que, passados quase três anos, o processo Cashball foi arquivado pelo Ministério Público, tendo todos os arguidos, com a excepção do denunciante, sido absolvidos. Similarmente, Bruno de Carvalho foi ilibado de todas as acusações no caso de Alcochete, tendo a juíza Sílvia Peres considerado que o presidente do Sporting não foi o autor moral do ataque à academia. Apesar deste desfecho em ambos casos, o secretário da MAG Pedro Almeida Cabral tem mantido um silêncio revelador de sua falta de caráter e integridade. Até dá a impressão que ficou desiludido com este resultado, que mantém imaculadas a reputação e imagem do Sporting. Um homem digno, íntegro e nobre nunca teria feito o que este velhaco fez e se, por descuido, o fizesse, teria a grandeza e coragem de fazer um pedido público de desculpas e demitir-se do seu cargo no clube. No entanto, elevação e honradez não parecem ser atributos de muitos destes advogados de pretenso renome que se passeiam actualmente nos corredores de Alvalade e que vão para a televisão bater os punhos na mesa enquanto declaram “in dubio pro reo” quando na realidade não praticam aquilo que juram defender quando não é do seu interesse. A isto chamo hipocrisia.


Lamentavelmente, esses assuntos parecem passar ao lado da grande maioria dos sportinguistas que nem se apercebem que o clube está entregue a este tipo de gente porque andam obcecados com discussões estéreis sobre foras-de-jogo de dois centímetros.



Luís Teves

15/04/2021


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